Eduardo Mainieri Chem
Médico cirurgião plástico, Diretor do Banco de Tecidos – Pele da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, RS
Aline Francielle Damo Souza
Biomédica do Banco de Tecidos – Pele da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, RS
Luana Pretto
Biomédica do Banco de Tecidos – Pele da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, RS
Pablo Fagundes Pase, Paulo Favalli, Rafael Neto e Rodrigo Dornelles
Médico cirurgião plástico colaborador voluntário do Banco de Tecidos – Pele da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, RS
Banco de Tecidos Humanos
O Banco de Tecidos Humanos Dr. Roberto Correa Chem foi criado em 2005 e é um dos três Bancos de Tecidos em atividade no País (ao lado de São Paulo e Curitiba). Sua principal atividade hoje se concentra em captar, processar, preservar e disponibilizar lâminas de pele alógena humana para os centros de tratamento de queimados e politraumatizados do País. Todas as etapas são realizadas obedecendo protocolos homologados pela legislação vigente e fiscalizados pelos órgãos competentes, o que garante um rigoroso controle de qualidade.
A pele alógena funciona como um curativo biológico temporário para cobertura de lesões cutâneas superficiais a profundas, protegendo o leito da ferida contra infecções bacterianas, reduzindo perdas de líquido e de calor, minimizando a dor e estimulando a cicatrização. Encontra indicação clínica bem estabelecida, entre elas a cobertura da área receptora, proteção de lesões de espessura parcial, proteção de autoenxerto (enxerto “sanduíche”) e cobertura temporária de lesões extensas e profundas. Especialmente nesta última condição, na qual é inviável a cobertura total das lesões por autoenxerto, a utilização de aloenxerto (pele proveniente de outro indivíduo, mas da mesma espécie) é um tratamento providencial e pode representar a diferença entre a vida e a morte, havendo redução da mortalidade de grandes queimados quando se dispõe dessa alternativa.
A doação de pele pode ser realizada a partir de indivíduos com o diagnóstico de morte encefálica ou parada cardiorrespiratória. Assim como para os demais órgãos e tecidos, a família do doador é entrevistada quanto ao desejo de doar, assinando um termo de consentimento para tal. A existência de doenças transmissíveis é investigada com o intuito de evitar a infecção do futuro receptor. Para a preservação das condições do tecido e minimização de possíveis contaminações microbianas, o protocolo de retirada de pele é muito similar ao de uma cirurgia in vivo. Realização em salas limpas do centro cirúrgico, técnica de manipulação asséptica (escovação e paramentação completas) e utilização de materiais estéreis fazem parte das rotinas da captação.
A captação de pele consiste em retirar, com o auxílio de um dermátomo ou faca de enxerto, finas lâminas com espessuras que variam de 0,8 a 1,0 mm. Neste processo, retira-se epiderme e derme papilar. Preferencialmente, as regiões doadoras localizam-se em coxas, pernas e tronco posterior, pois são facilmente “escondidas” durante a velação. Não há sangramento nem tampouco mutilação destas áreas, apenas a mudança para uma coloração mais clara (figura 1). Ao final do processo de captação, o uso de apósitos, ataduras e esparadrapos oculta eventuais perdas líquidas.
Logo após a retirada, a pele é encaminhada ao Banco de Tecidos, iniciando-se o processamento e sua conservação em glicerol. Durante este processo, são realizados diversos testes microbiológicos, ficando a pele liberada para envio somente após ser garantida a ausência total de microrganismos. Exemplares que não obtiverem tal condição mesmo após tratamentos com antimicrobianos são descartados. Os demais são armazenados sob refrigeração, ficando disponíveis para uso por um período de até 2 anos.
A distribuição do tecido está sob regulação da Central Nacional de Transplantes (CNT) e das Centrais Regionais (CNCDO= Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos). Tanto o médico como o hospital onde será realizado o transplante deverão ser cadastrados no Sistema Nacional de Transplantes (SNT). Para obter a pele alógena, o médico transplantador necessita:
1- entrar em contato com o Banco de Tecidos para verificar a disponibilidade de estoque de acordo com a sua necessidade.
2- encaminhar para a CNCDO do seu Estado um formulário contendo os dados do paciente a ser transplantado, a quantidade de tecido requerida e os dados do hospital onde será realizado o transplante.
Após a CNCDO enviar a autorização para a realização do transplante ao Banco de Tecidos, este separa a quantidade de pele solicitada e organiza o seu envio para o local do transplante. Em caso de envio aéreo, a CNT solicita à companhia aérea a realização do transporte de forma gratuita.
Juntamente com a pele, são enviadas instruções para manuseio e uso da pele alógena, documentos contendo o registro do tecido enviado, o termo de consentimento para realização do transplante, o formulário de notificação de transplante realizado e o termo de notificação de efeitos colaterais. Devidamente preenchidos, os documentos devem retornar ao Banco de Tecidos para controle de rastreabilidade e posterior arquivamento. Até 10/05/2016, ocorreram 268 captações (gráfico 1) que possibilitaram envio de pele a diferentes localidades do território nacional (figura 2).
Além da pele alógena, o Banco de Tecidos Humanos conta com a perspectiva de disponibilização de membrana amniótica. Ao contrário de outros Países da América do Sul, a captação, o processamento e a disponibilização de membrana amniótica para uso clínico ainda não são regulamentados no Brasil. Motivados pela notória tragédia ocorrida na cidade de Santa Maria – RS, os Bancos de Tecidos do Chile, Uruguai e da Argentina doaram uma grande quantidade de membrana amniótica ao Rio Grande do Sul. Através de uma autorização especial do Ministério da Saúde, foi possível a utilização legal desse produto específico, conferindo ao Banco de Tecidos uma importante experiência de manipulação e utilização clínica de tal material. Até a presente data, aguarda-se a publicação da portaria definitiva para iniciar o processo totalmente nacional de captação, processamento e distribuição deste promissor curativo biológico, a membrana amniótica.
Figura 1. Doador de pele humana: aspecto da região doadora após a retirada.
Gráfico 1. Número de doadores Banco de Pele Dr. Roberto Corrêa Chem ao longo dos anos. (*Dados até 10/05/16).
Figura 2. Destinos da pele doada pelo Banco de Pele Dr. Roberto Corrêa Chem
Além do Banco de Pele de Porto Alegre, o Brasil conta ainda com a atuação de dois outros importantes Bancos: o Banco de Pele Humana do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba/PR, sob direção técnica do Dr. Luiz Henrique A. Calomeno, e o Banco de Pele do Hospital das Clínicas de São Paulo, sob direção técnica do Dr. André Paggiaro.
De acordo com informações fornecidas pela equipe do Banco, o BPH de Curitiba tem sua equipe composta por 07 cirurgiões plásticos, 06 residentes e 02 enfermeiras. No ano de 2015, o Serviço realizou 31 captações de pele e enviou pele para 45 pacientes receptores, sendo o Serviço de Queimados do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba o maior beneficiado com as doações.
Com relação ao Banco de Pele do Hospital das Clínicas de São Paulo, o diretor técnico do Serviço afirma que o Banco teve grandes avanços internos com o passar dos anos, com melhora da estrutura física e melhorias no controle de qualidade. O Banco do HC fornece pele para diversos locais do país e também para a América do Sul (Equador). Entretanto, assim como os demais Bancos do país, o Banco do HC enfrenta problemas basicamente com a baixa oferta de doadores de pele e a falta de equipes de captação de pele adequadamente remuneradas e disponíveis em tempo integral para realização das captações. No ano de 2015, o Serviço teve um total de 24 ofertas de doação de pele, sendo que apenas 07 evoluíram para doadores efetivos. Neste mesmo ano, o Banco do HC enviou pele para 20 pacientes receptores, correspondendo a um total de 16.003,00 cm2 de pele alógena distribuída para transplante.