Sugestão de ‘pacote de cirurgias’ e vínculo com médico são irregulares.
Cidade ganha de Guarulhos e só perde para a capital em investigados.
Falsas empresas financiadoras de cirurgias plásticas e médicos vinculados a elas estão sendo investigados em Campinas (SP) pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). Segundo o órgão, as empresas visam lucro com sugestão de procedimentos, muitas vezes desnecessários, aos pacientes e profissionais “executadores” de cirurgias. Com isso, colocam os pacientes em risco.
A investigação do Cremesp abrange empresas que se dizem financiadoras, conhecidas também como intermediadoras, mas que não possuem registro no Conselho ou no Banco Central, ou seja, atuam na ilegalidade e na clandestinidade. Elas chegam a vender pacotes de cirurgias sem assegurar, por exemplo, que os pacientes façam exames pré-operatórios, como avaliação cardíaca e coleta de sangue.
Esses estabelecimentos costumam indicar o cirurgião que fará o procedimento, que é vinculado à “empresa”. Segundo o conselheiro do Cremesp e coordenador da Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos (Codame), Lavínio Nilton Camarim, a prática é antiética e ilegal.
“A resolução 1836/2008 do Conselho Federal de Medicina proíbe o vínculo do médico. As intermediadoras usam artimanhas para atrair os cirurgiões, como, por exemplo, ‘se você não fizer, outro vai fazer’. Aliciam principalmente os médicos mais jovens, sem experiência”, explica Camarim.
‘Pacotão de cirurgias’
No processo de atrair os pacientes, funcionários das próprias empresas costumam sugerir que o paciente faça mais de um procedimento para “aproveitar” o financiamento e a “oportunidade”. Mas, nem sempre a cirurgia é bem-sucedida, já que há pessoas que nem teriam indicação de cirurgia, se tivessem feito pré-operatório.
Um reflexo disso pode ser percebido nos consultórios de outros médicos. O cirurgião geral e plástico de Americana (SP) Leonardo Stella, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, notou um aumento de 5 para 15 pacientes nos últimos dois meses, que o procuram reclamando de cirurgias problemáticas feitas em Campinas.
“A pessoa quer fazer plástica no nariz e o vendedor ou o médico sugere para fazer a barriga, mama, lipoaspiração. Fazer muita coisa de uma vez só aumenta o risco cirúrgico e a qualidade da cirurgia. É pior pra corrigir depois e o trauma para o paciente fica. Promete-se coisas que não dá para fazer”, explica.
Pacientes que fizeram cirurgia bariátrica, por exemplo, costumam precisar de plástica mas não podem fazer no corpo inteiro de uma só vez porque a cicatrização e a recuperação não são eficientes, segundo Stella.
Recentemente, ele recebeu uma mulher com obesidade que passou por cirurgia em Campinas e precisou encaminhá-la para um psiquiatra.
“Ela fez mama e abdomen através de uma intermediadora sem ter feito preparo. Eu não indicaria por causa da obesidade, ela precisava emagrecer antes. Agora precisa fazer uma correção cirúrgica e foi afetada psicologicamente”, conta.
Lucro
Os lucros com essa prática, para as financeiras, são exorbitantes, segundo o conselheiro do Cremesp. “Cirurgias vendidas por R$ 5 mil acabam divididas em R$ 1 mil para o médico, R$ 1 mil para o hospital e R$ 3 mil para a empresa, que não querem ‘perder’ dinheiro com exames pré-operatórios”, afirma.
Ele recomenda que as pessoas que buscam cirurgias desconfiem de preços baratos e procurem saber se o profissional é cadastrado na Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e no Cremesp.
“O paciente financiar uma cirurgia que ele deseja não tem problema. O que preocupa é o sentido contrário, partir do financiamento a ideia de fazer a cirurgia e depois o paciente ser encaminhado para um médico”, explica Camarim.
Quem for aliciado para se submeter a procedimentos indicados por financeiras ou profissionais que indiquem mais de uma cirurgia sem a solicitação do paciente pode fazer uma denúncia no Conselho pelo telefone (11) 3123-8715 ou pelo e-mail codame@cremesp.org.br.
Estado sob investigação
Essa prática é constatada em todo o estado, mas Campinas ganha expressão ao ter mais casos investigados do que Guarulhos (SP), metrópole com mais habitantes, e Ribeirão Preto (SP). O município só perde para a capital.
Em todo o estado são 50 mil cirurgias plásticas por mês, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgias Plásticas.
“O problema é um perigo iminente para a população. A grande maioria [das financiadoras] trabalha nos finais de semana, até em shoppings, vendendo financiamento de cirurgia, sem saber se o paciente precisa. É um risco para ele e para o médico também”, explica o conselheiro.
Segundo Camarim, as investigações dessa prática começaram a ganhar força entre 2010 e 2011, quando foram detectadas 39 financeiras irregulares em quatro cidades do estado. O Cremesp não divulgou o número de empresas por município.
“Todas identificadas em Campinas na época tinham problemas. No geral, sabemos que algumas fecharam e reabriram com outros nomes e em novos endereços. Por isso, o Cremesp fica em cima”, afirma Camarim.
Punição
Desde 2011, as vistorias do Cremesp passaram a ser constantes e acontecem sem avisó prévio, tanto nas intermediadoras, quanto em clínicas e consultórios. Segundo o conselheiro, há casos de reincidentes e até de falsos médicos executando as cirurgias.
O Cremesp afirmou ainda que todos os meses novas intermediadoras irregulares são localizadas no estado de São Paulo, incluindo Campinas.
O cirurgião que é pego fazendo parte deste esquema ilegal responde por uma sindicância ética, que pode gerar um processo ético. O próximo passo é o julgamento do caso e, dependendo do envolvimento e das consequências, o médico pode receber desde advertência até censura, suspensão e até cassação do exercício profissional.
Todos os processos são encaminhados para o Ministério Público e os funcionários das empresas também respondem judicialmente.
Fonte: G1