Em São Paulo, é fácil conseguir até o contato de pessoas sem qualificação e marcar o procedimento com silicone industrial, proibido no Brasil.
Por Jornal Nacional, TV Globo
Os casos de pacientes que tiveram complicações em procedimentos estéticos, este ano, assustaram milhões de brasileiros. E levantaram algumas questões sobre a segurança desses procedimentos. O Jornal Nacional foi ouvir a opinião de especialistas.
Só no escuro ele fica à vontade para contar. Quase ninguém no trabalho ou na família sabe o que ele fez, mas todo mundo nota.
“Eu já ouvi de tudo ao longo desses últimos anos desde que eu fiz o procedimento: se eu estava com caxumba, dente do ciso. É quase padrão”.
Para preencher uma pequena depressão perto da bochecha, ele procurou um médico que aplicou do lado esquerdo do rosto o polimetilmetacrilato, o metacril ou PMMA. Agora ele tem um lado diferente do outro e uma ideia fixa: tirar o produto do corpo.
“É uma massa. Uma massona aqui, que é totalmente palpável. Bem dura. É tipo cimento dentro do músculo. Então, para tomar banho, lavar o rosto, não tem como esquecer. Só queria voltar ao que eu era”.
Acontece que não dá para reverter totalmente a chamada bioplastia – que é o preenchimento de alguma parte do corpo com produtos que não são absorvidos pelo organismo.
O presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica diz que não dá pra garantir a retirada total do produto, que se espalha pela pele, gordura e músculos. E nem pra prever os riscos.
“Não tem como nós prevermos ao longo dos anos, pode ser um ano, dois anos, cinco anos, dez anos, ao longo da vida desse indivíduo poderá ter algum tipo de reação tipo corpo estranho, dando essas complicações que ocorrem num grande número de pacientes”, Níveo Steffen.
Levou 20 anos para Penélope. Quando ela fez a aplicação, quase ninguém falava em PMMA. Ela usou outro produto, bem mais barato, proibido no Brasil: o silicone injetável, que se espalhou pelo corpo.
“Nos meus seios, que começaram recentemente, da mesma forma que começaram no meu quadril. Os quadris já estão praticamente necrosados”, contou a maquiadora Penélope Jolie.
Casos de morte de pacientes, prisão de médico e outros profissionais geraram muita repercussão em torno da chamada bioplastia. E ela continua sendo feita. Em São Paulo, é fácil conseguir o contato de profissionais sem qualificação e marcar o preenchimento com silicone injetável, proibido no Brasil. Ou agendar em clínicas certificadas, com médicos que usam produtos autorizados e controlados.
Em um bairro nobre da cidade, a consulta com o dr. Roberto Chacur custa R$ 800. O procedimento pode ser feito no mesmo dia, no consultório. Ele defende a técnica.
“O grande vilão do PMMA não é nem tanto ele. Não que ele não tenha risco. Todos os produtos têm risco. Mas é um produto que a gente utiliza, e utiliza muitas vezes por necessidade de um produto que dure mais no paciente. Então, o PMMA é um produto que ele tem que ter um treinamento muito grande, tem que ter um cuidado dobrado e também um cuidado não só nos planos de aplicação, na quantidade, mas no resultado final estético. Os médicos que não gostam são médicos que nunca usaram, nunca tiveram a experiência de usar o produto ideal, com a técnica certa. Porque quem usa, gosta”, diz o médico Roberto Chacur.
O que o dr. Chacur faz não é ilegal. A Anvisa autoriza o uso do PMMA, mas não define quantidades, e ressalta que deve ser utilizado apenas por médicos treinados. Eles determinam a dose. Para a Anvisa, o PMMA é indicado somente para cirurgias reparadoras, em casos que o paciente perdeu parte do músculo por doença ou acidente.
O Marcelo caiu de moto. Ele fez o retoque da aplicação no braço.
“Parou de doer, parou de incomodar, que era o que mais me atrapalhava, incomodava bastante”, contou o empresário Marcelo Romano.
Só que, seduzido pela ideia de parecer mais jovem, aplicou também no rosto.
“Você faz uma, aí quer fazer outra. Acho que acaba ficando sem limite, sim”, confessou Marcelo.
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica condena o uso para fins estéticos e pede uma legislação clara.
“Nós reiteramos à Agência Nacional de Vigilância a necessidade de rever essa portaria para que realmente a segurança do paciente, a segurança do exercício da medicina seja contemplada nesse sentido”, disse Níveo Steffen.